Demônio Interior - Romance
1
O
assassinato
Devia ser cerca de
vinte e duas horas. Sob a iluminação fraca da rua, podia-se avistar uma mulher
que caminhava a passos rápidos em direção ao seu carro estacionado há um
quarteirão dali. A rua estava deserta, enquanto a mulher que aparentava ter
trinta anos, loira, olhos azuis, estatura mediana, caminhava olhando
desconfiada para os lados, receosa de algum perigo iminente. O barulho dos seus
saltos sobre o asfalto quebrava aquele silêncio sombrio que parecia deixar o
ambiente mais sinistro ainda.
Já
havia chegado ao final do quarteirão que antecedia o local onde seu carro
estava estacionado, ficando mais aliviada quando pode ver o mesmo. Nisto abriu
a bolsa e retirou as chaves, esboçando um sorriso de satisfação interior por
ter alcançado seu objetivo.
De
repente, sentiu por detrás duas grandes mãos a apertarem-lhe o pescoço. A rua
deserta, o silêncio mortal, a escuridão da noite, provocaram-lhe tamanho pânico
que sentira todas as suas forças paralisadas.
O
agressor, que se encarregara de abrir a porta do carro, empurrou-lhe o corpo
violentamente para dentro do veículo, onde seu rosto foi parar no banco do
passageiro. Depois daquele grande susto, parecendo entender melhor o que
acontecia, virou o rosto e devido à escuridão dentro do carro, não conseguiu
reconhecer de imediato o rosto do agressor, embora seus traços fisionômicos lhe
parecessem familiares.
Novamente o agressor
atacou-lhe o pescoço, apertando-lhe fortemente com as mãos. A única reação da
vítima, bem mais frágil fisicamente, foi começar a gritar desesperadamente.
- Por quê? Por quê? –
perguntava desesperada a mulher que começava a ter a voz sufocada. Quanto mais
a vítima expressava terror, quanto mais ela debatia o corpo tentando desvencilhar-se
daquele que a agredia, mais prazer parecia ter o maníaco na agressão que lhe
fazia e mais força colocava nas mãos sufocando-lhe a respiração.
Aos poucos os gritos
iam parando, num intervalo de dois minutos a vítima já não conseguia remexer o corpo
tentando se soltar do seu agressor, a respiração ia cessando e o agressor
pressionava com mais força o pescoço daquela mulher.
Depois de cerca de mais um minuto, a luz do poste de iluminação que entrava pelo vidro do carro,
mostrava uma mulher estrangulada. Os olhos abertos, vitrificados, pareciam
ainda demonstrar os últimos momentos de terror, a roupa rasgada e as marcas
pelo corpo demonstravam que aquela mulher ainda tinha tentado lutar pela sua
vida.
Calmamente, o assassino
se levantou do corpo da vítima, saiu do carro batendo a porta vagarosamente,
caminhou até uma rua que dava acesso a uma viela, desaparecendo na escuridão da
noite.
Distante dali, num
bairro de classe média, em uma casa de aspecto agradável, estava um homem
colocando duas crianças para dormir. Seu nome era Wesley, era alto, magro e de
cabelos negros.
- Papai – perguntou uma
menina de aparentemente dois anos – quando que a mamãe vai chegar?
- Mamãe está
trabalhando – respondeu carinhosamente. – Mas logo ela vai chegar e vai querer
ver a menina dela dormindo – dizia sorrindo enquanto arrumava a colcha sobre a
pequenina.
- Papai me deixa
brincar mais um pouco com o meu carrinho? Perguntou um menino que estava na
cama ao lado.
- Nada disso, já está
na hora de criança dormir – respondeu apagando a luz. – Amanhã mamãe vem dar um
beijo em vocês – disse fechando a porta.
Wesley olhou para o
relógio e o mesmo marcava vinte e três horas e vinte minutos. Geralmente
Nathália não passava das vinte e duas e quarenta para chegar em casa. O bancário começava
a ficar preocupado.
Bobagens, deve ter
havido um pouco mais de movimento na loja hoje – pensou consigo mesmo. – Nisto
foi até a geladeira, pegou uma cerveja, se dirigiu até a sala, ligou a
televisão e foi assistir um pouco de futebol.
Os minutos foram
passando e quando veio o intervalo do jogo, Wesley olhou para o relógio e viu
espantado que já era meia noite e nada de Nathália. Resolveu ligar para o
celular da esposa. Tocava até cair na caixa postal. Depois de duas ou três
tentativas, o mesmo já se encontrava angustiado.
Ligou no telefone da
boutique que a esposa trabalhava, mas o mesmo só chamava. Resolveu pegar a
agenda e ligar para a proprietária.
A mesma atendeu e
quando questionada sobre Nathália, disse que ela e outras funcionárias haviam
fechado a loja juntas e cada uma tomou o destino de casa. Nathália ainda teria
oferecido carona a uma das vendedoras, que agradeceu alegando que o namorado a
pegaria na porta da galeria.
Depois de desligar o
telefone, Wesley se sentou na poltrona e começou a ficar pensando mil coisas
que poderiam ter acontecido com sua esposa.
Próximo à galeria
comercial que Nathália trabalhava, uma viatura policial fazia uma ronda de
rotina. O carro se deslocava lentamente, onde os policiais observavam se havia
alguma atividade suspeita nas imediações.
Virando uma esquina,
perceberam que um carro estava estacionado numa rua então erma àquela hora da
madrugada. Os dois acharam suspeito, um deles pegou o rádio e transmitiu à
central:
- Atenção central, aqui
é a viatura 512. Identificamos um carro parado, parecendo estar abandonado numa
rua deserta da zona norte. Vamos fazer uma abordagem.
- Positivo viatura 512
– respondeu o policial do outro lado – ficaremos no aguardo.
Os policiais
estacionaram a viatura, desceram de armas na mão e foram se aproximar do carro.
Quando chegaram junto ao veículo, puderam constatar uma mulher dentro do mesmo.
Um dos policiais pegou
o rádio:
- Atenção central, nos
deparamos com uma mulher inerte dentro do veículo. Vamos verificar se esta
desmaiada, teve algum mal súbito ou se é um possível assassinato.
- Positivo 512. Estamos
aguardando mais informações.
Os policiais abriram a
porta do carro e pelos olhos abertos de Nathália já constaram naquele momento
que a mesma se encontrava morta. Mesmo assim mediram o pulso e os batimentos
cardíacos, que só vieram a confirmar o óbito.
Um deles apontou a
lanterna para o pescoço e disse:
- Veja só, o pescoço
dela está bastante vermelho.
- Realmente – confirmou
o outro – perceba também que a roupa tem rasgões. Parece que temos aqui um
homicídio.
Nisto o celular tocou,
era Wesley que tentava um novo contato com a mulher. Um dos policiais atendeu e
deu a notícia que Nathália estava morta. – Do outro lado da linha Wesley se
desesperou.
- Senhor Wesley,
necessitamos que o senhor venha até o local imediatamente.
- Claro – respondeu
Wesley chorando – me dê o endereço.
Feito isto, desligou o
telefone e foi desesperado até a vizinha, onde lhe explicou confusamente o que
tinha acontecido, perguntando se a mesma poderia cuidar das crianças na sua
ausência.
A vizinha se assustou e
também começou a chorar, atendendo ao pedido.
Wesley retirou o carro
da garagem e saiu em disparada.
No local do crime, os
dois policiais conversavam:
- Bom, temos que isolar
a área do crime e chamar a perícia.
- Positivo – respondeu
o outro - faça isto que vou começar a preencher o boletim de ocorrências e
notificar a central do que encontramos aqui.
Alguns carros que
passavam diminuíam a velocidade curiosos sobre o que teria acontecido ali, mas
nenhum chegou a parar.
Passados trinta minutos
Wesley chegava até o local. Desceu do carro desesperado, quando um dos
policiais o segurou pelo braço.
- Senhor Wesley, sei a
dor que o senhor deve estar sentindo, mas o senhor não pode se aproximar mais,
a cena do crime tem que ser preservada.
- Nathália! – gritava
desesperado – preciso ver minha mulher. – Retrucou para o policial que o havia
segurado.
- Volto a insistir com
o senhor que nada pode ser mexido até que a perícia chegue. – Respondeu o
policial penalizado com o estado daquele homem.
Wesley chorava, onde
dirigiu o olhar para o carro e pode ver o corpo da mulher estirado sobre o
banco. Sentou-se no chão, pôs a cabeça entre as pernas e continuou a chorar,
parecendo não acreditar que aquilo tudo estava acontecendo.
Depois de algum tempo o
carro da perícia chegava até o local. Dois peritos desceram do veículo,
cumprimentaram os policiais e Wesley e se dirigiram até o carro de Nathália.
Primeiramente,
os peritos queriam verificar se a cena do crime estava preservada, ou seja, se
ninguém havia mexido em
nada. Eles pareciam fazer um exame visual do interior do
carro e do corpo de Nathália e faziam anotações.
Um
deles começou a coletar impressões digitais na porta e na maçaneta, passando
depois para os vidros e o painel do carro.
O
outro pegou uma câmera digital do bolso e começou a tirar fotografias. Depois
disso, pegou alguns saquinhos e foi até o interior do carro recolher possíveis
provas. Com uma pinça ele pegou alguns fios de cabelo que estavam sobre o corpo
de Nathália e alguns pedaços de seu vestido, embalando e etiquetando-os.
Wesley
olhava tudo aquilo desolado, pensando o que iria falar para os filhos.
2
Caio
Sentados
numa varanda, um casal namorava à meia-luz. Sob a luz do luar, trocavam
carícias numa conversação animada.
Ele
tinha um corpo atlético, era alto, tinha cabelos loiros e olhos azuis; ela era
uma morena cor de jambo, chamava-lhe a atenção no rosto os pequenos e
penetrantes olhos castanhos que traziam um brilho de alegria e de volúpia, tinha
um sorriso simpático aos lábios que, pintados com um batom vermelho, realçavam
ainda mais a exuberância daqueles lábios carnudos; os longos cabelos negros
escorriam-lhe pelos ombros, chamando a atenção para a mini-blusa que destacava
o volume dos seios e deixava à mostra o abdômem nu; podia-se ainda observar o
torneado das pernas bronzeadas metidas dentro de pequeno short.
-
Caio – dizia após um beijo – quando é que nós vamos nos casar?
O
rapaz que passava a mão pelos seus cabelos, respondeu irônico:
-
Ah, Lorena, penso em me casar só depois dos quarenta.
-
Vou ter que esperar quatorze anos ainda? Até este tempo passar, já terei idade
para ser avó – respondeu jocosa.
Ambos
riram descontraidamente.
-
Lorena, gosto muito de estar sempre do seu lado, porém ainda não sinto que é a
hora de me casar. – Explicava-lhe examinando os traços delicados do seu rosto.
“Além
disso, a minha profissão é muito perigosa. Um agente de polícia sai para
trabalhar e não sabe se volta para casa vivo. Tenho a preocupação de me casar e
de uma hora para outra deixar viúva e órfãos neste mundo.”
-
É que eu gosto tanto de você – dizia bebendo um gole de vinho – gostaria tanto
de ter você só para mim.
-
Lorena – dizia Caio pegando seu copo de vinho – lembre-se que não somos donos
das pessoas, apenas caminhamos ao lado delas.
-
Você e sua filosofia barata de boteco – protestou a moça dando-lhe um murrinho
no peito – essa sua conversa é só para me enrolar.
-
E como vai o trabalho na loja? – Perguntou o rapaz fazendo-lhe uma carícia no
rosto.
-
Já mudou de assunto? Casamento te assusta mesmo.
“Estou
tendo problemas de relacionamento com uma colega de trabalho, nós não nos
suportamos.” – Respondeu mudando de ânimo.
-
E como tudo isso começou? Perguntava Caio interessado.
-
Primeiro ela virou a cara para mim, sem eu saber o porquê daquela atitude.
Depois começaram as provocações; ela começou a disputar os clientes comigo,
muitas vezes atravessando na minha frente para atender quem entrava na loja e
se dirigia até mim.
“Depois
ela começou a falar mal de mim para as outras vendedoras e também a inventar
inverdades sobre minha pessoa para a dona da loja, mentiras como de que eu não
estava atendendo direito; ou outras vezes que eu havia tratado mal este ou
aquele cliente.”
“Ontem
no final do expediente – enquanto eu esperava você me pegar – ela passou por
mim e quando me viu fechou a cara; seus olhos expressavam este rancor que ela
sente por mim e que eu não consigo entender o por quê.”
-
Será que ela não tem inveja da sua beleza? Perguntava Caio pegando o copo de
vinho.
-
Mas ela também é bonita, tanto de rosto quanto de corpo. Não é questão de
beleza, com certeza.
-
Talvez você tire comissões maiores do que as dela. Dizia Caio formulando outra
hipótese.
- Não – afirmava Lorena convicta – em
alguns meses ela tira comissões maiores que as minhas.
Com
o semblante expressando estranheza e perplexidade diante daquela estória, Caio
perguntou:
-
Já pensou em conversar com ela e colocar tudo em pratos limpos?
-
Pela forma que ela me trata, não sei se tenho abertura para isso. Tenho medo de
chamá-la para conversar e começarmos uma briga.
-
Bem – concluía Caio abraçando a moça – meu pai era uma pessoa religiosa e me
lembro de que quando era pequeno ele dizia que devíamos rezar pelas pessoas que
não gostam de nós.
-
Desde quando você é religioso Caio? – Perguntava a moça engasgando um pouco o
vinho que tomava.
-
Não sou religioso, só estou te dizendo que meu pai aconselhava isto desde que
eu era criança.
Nisto
o celular de Caio tocou. Pela bina ele viu que o chamado era da delegacia.
-
Quase três horas da manhã – dizia Caio contrariado – o que será que querem de
mim?
-
Atende Caio, quem sabe não é uma promoção? – Brincava Lorena.
-
Muito engraçado Lorena – respondia Caio com uma risadinha – vou atender e ver
do que se trata.
O
policial atendeu e depois de alguns minutos de conversa, desligou o telefone e
disse:
-
Princesa, estão precisando de mim na delegacia – dizia vestindo uma jaqueta
jogada sobre uma cadeira – depois a gente se fala.
-
É alguma coisa importante? – Perguntou Lorena apreensiva.
-
Parece que houve um homicídio, querem que eu vá para lá.
Os
dois se despediram, onde Lorena acompanhou o rapaz até a porta do apartamento.
-
Se cuida, sabe que preciso de você. – Dizia a moça preocupada.
-
Fica tranquila, depois eu te ligo com mais calma.
Os
dois trocaram um beijo e Caio se dirigiu para o elevador enquanto Lorena
fechava a porta do apartamento.
Já
na rua, pegou seu carro e se dirigiu para a delegacia.
Na
delegacia Wesley estava sentado numa cadeira, enquanto um escrivão lhe tomava o
depoimento. O delegado chegava nesse momento. Parecendo já estar informado de
tudo o que havia ocorrido, cumprimentou o escrivão e Wesley e disse ao
primeiro:
-
Assim que acabar o depoimento, venha até minha sala.
O
escrivão fez um gesto respeitoso com a cabeça e voltou a tomar o depoimento de
Wesley.
Passado
algum tempo, Caio chegava até a delegacia. Cumprimentou dois agentes de
plantão, passou por Wesley, mas somente cumprimentou o escrivão. Dirigiu-se
para a sala do delegado.
-
Olá Caio – dizia o delegado colocando café numa xícara – sente-se aí. Aceita um
cafezinho?
-
Aceito sim doutor Hugo – se dirigindo até a garrafa térmica – o marido é aquele
ali?
-
Sim, já está sabendo da história toda?
-
O Felipe me contou mais ou menos por telefone – respondeu enquanto bebia o café
e olhava Wesley pela porta aberta.
“O
senhor acha que ele é suspeito?”
-
Você sabe Caio, que num crime até se chegar ao culpado todas as pessoas
próximas da vítima são suspeitas. Pegue este depoimento e vá lá interrogar ele,
veja o que você consegue. – Ordenou o delegado.
Caio
pediu licença, pegou o depoimento em cima da mesa e chamou Wesley para uma
sala. Os dois entraram e Caio fechou a porta.
-
Boa noite senhor Wesley. Sinto muito o que aconteceu com sua esposa. – Dizia
Caio em tom reconfortante.
-
Obrigado. Realmente está sendo terrível – dizia enxugando com as mãos algumas
lágrimas que escorriam de seus olhos.
Enquanto
Caio passava os olhos pelos papéis, fez-se um silêncio entre os dois.
Olhando
para Wesley perguntou:
- O senhor e sua esposa eram casados há
muito tempo?
-
Seis anos, respondeu Wesley com o olhar perdido num canto da sala.
-
Se davam bem, quero dizer, tinham uma convivência harmônica, sem brigas?
-
Sim, tínhamos uma boa convivência, por quê? – respondeu Wesley com uma certa
irritação pela pergunta.
-
São perguntas de praxe meu senhor – disse Caio elevando o tom de voz.
“Sua
mulher tinha seguro de vida? Tinha imóveis, dinheiro guardado no banco?”
Aquela
pergunta tinha deixado Wesley com bastante indignação. Suas faces ficaram
vermelhas de raiva. – O que o senhor está querendo insinuar? Perguntou Wesley
ríspido.
Caio
deu um tapa na mesa e respondeu quase gritando:
-
Eu não estou querendo insinuar nada, só estou cumprindo o meu dever. Lembre-se
que o senhor está na frente de uma autoridade policial e, portanto mantenha o
devido respeito.
Caio
falou aquilo em tom tão rude, que Wesley se intimidou. Lembrou-se que estava
numa delegacia e que ali aquele homem era a lei, gostasse ele ou não.
Mas
o senhor não respondeu a minha pergunta – insistiu Caio.
-
Que eu saiba ela não tinha seguro de vida; o único imóvel que possuímos é uma
casa financiada e não temos dinheiro guardado.
-
Aonde o senhor estava das vinte e duas horas à uma da madrugada?
-
Estava com nossos dois filhos, até que recebi a notícia do policial que
encontrou o corpo da minha mulher.
Caio
parecia um pouco sensibilizado com o drama de Wesley, mas fechando a cara,
disse secamente:
-
O senhor está dispensado por hoje. Comunicar-lhe-emos quando deverá voltar aqui
para prestar novo depoimento.
Wesley
se levantou, agradeceu ao policial e saiu cabisbaixo.
Caio
se dirigiu para a sala do delegado, este conversava com Felipe, que acabara de chegar.
-
O que você achou Caio? – Perguntou o delegado interessado.
-
Doutor Hugo, ele tem um álibi. Disse que na hora aproximada em que o crime
ocorreu ele estava cuidando das duas crianças do casal.
-
Bom, mas precisamos checar se o álibi é verdadeiro. Hoje pela manhã faça uma
diligência até a casa deles e cheque com os vizinhos se alguém o viu por lá
mesmo cuidando das crianças.
“Neste
caso o Felipe vai trabalhar com você. Quero este homicídio esclarecido o mais
rápido possível”.
-
Positivo doutor, vamos nos empenhar na resolução do caso – dizia Caio –
enquanto Felipe balançava a cabeça concordando.
Os
dois se despediram do delegado e foram embora da delegacia. Do lado de fora
Caio e Felipe começaram a conversar.
-
Felipe, eu estava com a minha “menina” até às três da manhã. Já são quase
quatro e meia da madrugada, preciso de umas horas de sono.
- Nove horas está bom para você?
Perguntou o outro bocejando.
-
Não é o suficiente, mas já dá para me recompor um pouco. O que você acha que
encontraremos pela frente?
-
Por enquanto é cedo para falar alguma coisa Caio. Vamos traçar algumas linhas
de investigação e ver qual delas nos levará ao assassino.
Ambos
se despediram, marcando para nove horas o horário em que deveriam estar na
delegacia.
3
O
serial killer
Eram cinco horas da
manhã e um homem permanecia sentado numa poltrona com uma garrafa de bebida ao
lado.
Assistia
a um programa de televisão enquanto relembrava imagens do assassinato que havia
praticado naquela noite. Vinham-lhe flashes do ataque à mulher; da vítima se
debatendo; da respiração que se extinguia aos poucos; do poder que sentia em
estar no comando da situação e do prazer que o sofrimento da sua vítima lhe
causava.
Mas
não sentia remorso algum. Sentia uma compulsão por matar que era mais forte do
que sua vontade. Desde que tinha vindo do nordeste, este era seu quarto
assassinato. Havia resolvido mudar de Estado, já que na cidadezinha onde
residia a polícia procurava por um serial killer, com uma população apavorada
que clamava pela prisão do criminoso.
Naquela
pequena cidade onde tinha nascido e crescido havia começado sua vida de crimes.
Desde muito cedo sentia aquela pulsão em matar, na adolescência reprimia aquele
desejo como uma represa que contêm as águas de um rio. Mas um dia quando
retornava do trabalho de madrugada e cortava o caminho por uma rodovia, viu uma
moça que aguardava o ônibus no ponto.
Naquele
dia a escuridão da noite e o fato da rodovia estar deserta, lhe deram coragem
para atacar aquela moça e satisfazer seu desejo assassino. Principalmente
porque o tipo físico da moça lhe agradava: loira, estatura mediana, cabelos
longos.
Deu
meia volta e se dirigiu até o ponto de ônibus chegando por detrás. Preparou-se
alguns minutos e então atirou-se sobre a moça que distraída esperava o ônibus
que a levaria até a cidade vizinha.
Diante
daquele susto, a moça começou a gritar desesperadamente, ele então a derrubou
no chão e começou a enforcá-la. Como parecia não estar colocando a força
suficiente nas mãos e a moça dera-lhe uma mordida numa delas, pegou uma pedra
que se encontrava no chão e começou a golpeá-la até que ela perdesse os
sentidos. A moça parecia desmaiada, então ele continuou a golpear-lhe o crânio
para que tivesse a certeza de que a mataria.
Com
as mãos cheias de sangue, percebeu que tinha satisfeito seu desejo. Parte da
massa encefálica que saía da cabeça da vítima não deixava dúvidas de que tinha
atingido seu objetivo.
Mais
do que rapidamente se evadiu, retornando ao local de onde tinha avistado a
vítima, continuando tranquilamente seu caminho para casa.
Nessa
hora voltava a si e parecia que os flashes do assassinato daquele dia e do
primeiro assassínio se misturavam. Parecia confuso. Pegou a garrafa de bebida e
entornou um gole.
Novas
lembranças lhe vinham à mente, mas desta vez eram lembranças remotas, mas
propriamente de sua infância. Os flashes vinham rápidos, recordando-lhe uma
manhã na casa de seus pais.
-
Menino – gritava sua mãe – fez xixi na cama de novo?
-
Mamãe não tenho culpa – tentava se explicar aquela criança de aparentemente
oito anos – não consigo segurar.
-
Você é um desgraçado, uma besta que Deus colocou no mundo. Vem cá que eu quero
esfregar sua cara nessa lambança!
-
Não mamãe, por favor não me bata, não tenho culpa.
A
mulher foi então até a direção do garoto que se encolhia no canto do quarto e
arrastou-o pelos cabelos até a cama, onde esfregou sua cara no lençol molhado.
-
Eu odeio você! Arrependo-me da noite que junto daquele imprestável do seu pai o
fizemos.
Puxou
novamente os cabelos do menino e jogou-o no chão violentamente.
-
Deixe aquele nojento chegar que vou contar a ele e vamos ver se pelo menos para
te corrigir ele presta – ameaçou referindo-se ao pai do menino.
O
garoto chorava, sentindo horror daquela mãe que não entendia que ele não fazia
xixi na cama de propósito. Um ódio profundo começava a germinar naquela pequena
alma, que conhecia tudo da mãe, menos amor.
Outras
lembranças pareciam querer vir-lhe a mente, em flashes que vinham rápidos e
confusos, mas ele não queria relembrar outros sofrimentos, então atirou a
garrafa de bebida na parede. Desligou a televisão e deitou-se numa cama de
lençóis amarrotados. Depois de algum tempo conseguiu dormir.
Quem
não teve dificuldades para dormir naquela madrugada era Caio. Chegou a sua casa
exausto e a primeira coisa que procurou foi sua cama. Precisava dormir, pois
teria um dia cheio pela frente, já que aquele era um dos mais difíceis casos
que até então tinha pegado.
Dormiu
até às oito horas quando o despertador do celular tocou. Levantou-se
rapidamente e foi até o banheiro cuidar da sua higiene pessoal. Feito isto,
vestiu a roupa rapidamente, quando ouviu sua mãe gritar:
-
Caio, o café está na mesa.
Abriu
a porta do quarto e respondeu:
-
Obrigado mãe, já estou indo.
Deu
uma ajeitada no cabelo, pegou a arma, colocando-a na cintura por baixo da
camisa, e as chaves do carro. Estava pronto para ir para a delegacia. Saiu do
quarto e foi até a cozinha tomar café.
-
Meu filho – dizia a mãe carinhosa – ontem fiquei preocupada com você, pois
acordei de noite para beber água e vi que você ainda não tinha chegado quando
já eram três da manhã no relógio da sala.
Tomou
um gole de café e começou a passar manteiga no pão, quando continuou:
-
Eu sabia que você trabalharia hoje, fiquei imaginando que você havia dormido na
casa da Lorena e esquecido o trabalho. Só fiquei tranquila quando ao levantar
às seis horas para minha caminhada diária passei pelo seu quarto e abrindo a
porta vi que você estava lá.
-
A senhora é muito preocupada. Onde está sua fé? – disse pegando uma bolacha.
-
É verdade meu filho, seu pai sempre falava isto – dizia parecendo recordar
momentos felizes – ele falava que todas as pessoas tem fé, mas muitas vezes
somos crédulos apenas nas coisas negativas.
-
Pois é mamãe, precisamos pensar em coisas positivas. A conversa está boa, mas
tenho que voar para a delegacia – dizia enquanto bebia um último gole de café.
-
Vá com Deus meu filho – despediu-se a senhora que foi até a pia lavar as
xícaras e outros utensílios que os dois haviam usado.
Caio
se dirigiu até a delegacia onde Felipe o aguardava e de lá ambos se dirigiram
para a casa de Wesley.
Chegando
lá Caio pediu que Felipe tomasse o depoimento dos vizinhos do lado esquerdo da
casa, enquanto ele inquiriria os vizinhos do lado direito.
Caio
chegou até a porta de uma casa toda gradeada. Tocou a campainha e aguardou
alguns instantes.
Quem
atendeu foi uma mulher de uns quarenta anos, a qual Caio começou a fazer
perguntas. Era justamente a mulher que Wesley havia pedido para tomar conta das
crianças no dia do crime. Ela relatou-lhe que naquela noite Wesley se
encontrava muito nervoso e que ele havia pedido que ela tomasse conta das
crianças, no que ela atendeu, já que era amiga do casal.
Caio
perguntou, entre outras coisas, como era o relacionamento do casal. A mulher
disse-lhe que era um casal normal, que eram felizes, não brigavam e eram muito
carinhosos com os filhos.
O
policial entregou-lhe uma intimação pedindo que fosse até a delegacia relatar
isto em depoimento. A
mulher acatou o pedido e ambos se despediram.
Nisto
Felipe vinha chegando. Ao encontrar Caio disse-lhe:
-
A única coisa que consegui foi o relato de um vizinho que disse ter ouvido o
barulho das crianças e a televisão ligada.
-
Felipe – disse Caio pensativo – o relato desta vizinha cuja estamos na porta,
parece confirmar o álibi de Wesley. Ele realmente estava com as crianças na
hora do crime.
-
Mas nada impede de ter sido um crime encomendado. – Argumentou Felipe.
-
Calma, por enquanto todos os indícios levam a crer que o marido não está
envolvido. Daqui 48 horas vamos até o laboratório de criminalística para
verificar se eles encontraram alguma coisa que possa nos ajudar.
“Agora
o que temos que fazer é ir até a galeria comercial onde Nathália trabalhava e pegar
depoimentos de pessoas que conviviam com ela. Não podemos descartar, por
exemplo, a hipótese de um amante”.
-
Sim, você tem razão. – Concordou Felipe.
-
Caso esta hipótese também não tenha fundamento, teremos que construir outras
linhas investigativas. – Argumentava Caio.
-
Vamos lá então. – Disse Wesley apontando para o carro.
Quando
lá chegaram, se dirigiram para a boutique onde Nathália trabalhava.
Foram
recebidos por uma vendedora da loja, que quando soube quem eram, começou a
chorar recordando-se da amiga. Os policiais disseram-lhe algumas palavras
reconfortadoras – como a de que pegariam o assassino – e começaram a fazer
perguntas sobre de como era a vida e a rotina de Nathália.
A
vendedora falou muito bem da colega, que a mesma tinha uma vida honesta, era
uma pessoa trabalhadora e que na loja, e na galeria, quem a conhecia gostava
dela.
Enquanto
Caio conversava com a moça, Felipe se dirigiu até outra vendedora para fazer
perguntas. As respostas eram quase que as mesmas, de que Nathália era uma moça
trabalhadora, amava o marido e os filhos.
Nisto
chegou a dona da boutique, que foi apresentada a Caio e Felipe. Ela os chamou
para conversarem em sua sala. Ofereceu-lhes café – que ambos aceitaram – e
começaram a fazer as mesmas perguntas que tinham feito às duas vendedoras. Em
um dado momento, Felipe resolveu ir um pouco mais longe:
-
Todas vocês dizem que Nathália era uma pessoa que amava o marido – falava
parecendo escolher as palavras – mas não há boatos de que ela poderia ter um
amante?
A
dona da boutique pareceu ficar chocada com a pergunta, mas o fato de os vários
anos no comércio terem lhe ajudado a saber lidar com todos os tipos de pessoas,
fez esconder sua indignação, onde defendeu a funcionária:
-
De jeito nenhum, lhes asseguro que Nathália era uma pessoa fiel. Isto vocês
podem perguntar para todas as pessoas que conviveram com ela nesta loja e na
galeria. Ela não gostava nem de brincadeiras que envolvessem o assunto
sexualidade. Era uma moça muito séria.
Caio
e Felipe se entreolharam como a dizerem um para o outro que já era hora de irem
embora. Agradeceram a boa vontade da comerciante e saíram do estabelecimento se
despedindo das outras vendedoras e reafirmando que pegariam o assassino.
Num
dos corredores da galeria, enquanto andavam olhando para as vitrines das lojas,
Caio disse:
-
Enquanto eu converso com o pessoal da limpeza, vai dar uma checada com os
funcionários da praça de alimentação. Ambos se despediram e cada qual tomou seu
rumo.
Depois
de cerca de quarenta minutos, os dois se encontraram nos bancos da praça de
alimentação. Haviam feitos às mesmas perguntas e as respostas eram semelhantes.
Foram
para o carro. Enquanto saíam do local, Felipe disse:
- Observe que este
setor da cidade tem várias galerias comerciais e fábricas, há também vários
prédios residenciais.
- Descartados o
envolvimento do marido e a possível vingança de um amante o caso começa a ficar
mais complexo – observava Caio conduzindo o carro devagar pela rua.
- Sim, com tantas lojas
e um contingente de gente tão grande, onde qualquer um pode ser o assassino, o
caso se torna complexo sim.
- Felipe já pensou na
ideia de um serial killer? Você leu no boletim de ocorrências da noite do crime
que nada foi roubado?
- Realmente, nada ter
sido roubado me chamou a atenção. Porém – dizia convicto – ainda é prematuro
para falarmos em um serial killer, já que não há notícia de outras vítimas, com
crimes com características semelhantes.
“Vamos voltar para a
delegacia e relatar ao delegado o que conseguimos com a diligência. Também
agora precisamos esperar o exame do instituto de criminalística para traçarmos
novos rumos para a investigação.”
“Mudando de assunto –
dizia Felipe rindo – como vai a Lorena?”
- Vai bem. Estamos
tocando o barco.
- E que barco que não
chega a lugar nenhum – disse Felipe com uma gargalhada – quando é que sai o
casamento?
- Você está parecendo a
Lorena e minha mãe Felipe – respondia Caio bem humorado – ainda não sinto que é
a hora de casar.
- Não fique enrolando a
moça Caio, você já está com quase trinta anos, tem que dar um rumo para a sua
vida. Até quando vai ficar morando na casa da “mamãe”? – Se divertia Felipe.
- Um dia eu caso –
afirmava Caio – e aí te chamo para padrinho.
“Em falar em casamento
como vai a Gabriela e as crianças?” – perguntava Caio entrando com o carro numa
avenida movimentada.
- Vão bem. Inclusive
vou te convidar para almoçar com a gente hoje.
- Obrigado Felipe,
aceito sim.
Rumaram para a
delegacia onde expuseram para o delegado o que haviam conseguido. O mesmo pediu
que relatassem aquilo por escrito. O delegado os dispensou, para tratar de
outros casos. Esperaram dar o horário do almoço e seguiram para a casa de
Felipe.
4
Rotina
de delegacia
O almoço na casa de
Felipe havia sido bem agradável. Caio ficara admirado de como a esposa do amigo
era gentil e de como ambos davam uma boa educação aos filhos.
Eram seis horas da
tarde. Felipe já havia terminado seu expediente e Caio trabalharia até
meia-noite. Devido à escassez de funcionários àquela hora do expediente, o
policial se dirigiu para frente da delegacia a fim de atender os casos que
surgissem. Sentou-se numa mesa e ficou a observar o movimento da rua.
Uma senhora entrou na
delegacia e se dirigiu a Caio:
- Policial - dizia
contrariada – minha residência foi arrombada. Os
bandidos levaram um microondas, meu aparelho de DVD, a prancha de cabelo da
minha neta, dois pares de sandálias, várias peças de roupa, meus perfumes e uma
bolsa.
Caio ouviu
em silêncio as queixas da senhora e disse:
- É
necessário que a senhora formalize isto através de um boletim de ocorrências,
siga pelo corredor e vire à direita até a sala do escrivão.
Algum tempo depois
entrou um homem – que pela roupa suja de graxa – parecia ser um mecânico. O
mesmo falou a Caio nestes termos:
- Eu precisava fazer
uma ocorrência. – Falava com o semblante raivoso.
- Qual é o motivo?
Perguntou Caio.
- Eu emprestei um
macaco de carro para um cliente. O mesmo, após o uso, não me devolveu o
equipamento, onde fiquei sabendo através de um colega que o descarado teria
inclusive o vendido para uma borracharia.
O mecânico disse ainda
que soube que o rapaz havia feito a mesma coisa com pelo menos outros dois
mecânicos.
Caio apontou o mesmo
caminho que havia indicado para a senhora, porém disse-lhe que se sentasse nas
cadeiras do lado de fora da sala do escrivão, pois já havia gente formalizando
queixa.
Hoje parece que vai ser
um dia daqueles – pensava Caio consigo mesmo – com ocorrências de todo o tipo.
Nisto o telefone tocou.
Pela bina do celular Caio viu que era Lorena que ligava.
- Alô – atendeu o
rapaz.
- Alô meu amor – dizia
Lorena carinhosa – onde você está?
- Trabalhando Lorena,
aonde você acha que eu poderia estar?
- Não sei, quem sabe
com outra moça...
- Lorena – respondeu
Caio nervoso – se for para me aborrecer, vou desligar o telefone agora.
- Não precisa ficar
nervosinho – respondia Lorena rindo – só estou te ligando para te convidar para
uma festa que vou dar aqui mais tarde.
- Vou trabalhar até
meia-noite – disse Caio com a voz contrariada – depois passo por aí.
Ambos se despediram e
ele desligou o telefone.
Caio parecia um pouco
irritado. Dar uma festa sem a presença dele? Mas lembrou-se que ele e Lorena
não tinham nenhum compromisso formal de namoro, na verdade os dois ficavam
juntos. Mesmo assim aquela notícia o havia deixado chateado.
O policial estava
distraído em seus pensamentos, quando uma moça chamou-lhe, trazendo-o de volta
a realidade.
- Senhor – dizia
apavorada – quero registrar uma queixa contra meu vizinho.
- O que ele lhe fez?
Perguntava Caio tentando disfarçar a irritação.
- Ontem o mesmo ameaçou
fazer “picadinho” do meu filho com um facão, só porque ele estava ouvindo
música um pouco mais alto. Não contente com a ameaça, o mesmo tentou invadir
minha casa agora à tarde.
Caio orientou-a a
sentar-se nas cadeiras de espera para entrar na sala do escrivão.
E a noite foi
transcorrendo com um crescente número de pessoas que chegavam até a delegacia
para registrar as ocorrências dos crimes que aconteciam na cidade.
Era um que chegava para
registrar queixa de furto a seu estabelecimento comercial; outro que chegava
dizendo que havia sido agredido num bar por um amigo que havia bebido demais;
mais um que vinha reclamar que tinha tido a carteira roubada enquanto esperava
o ônibus.
Enquanto o número de
queixas crescia; maior era o tempo de espera para que a pessoa tivesse o seu
boletim de ocorrências registrado. Por volta das onze da noite; já era de quase
três horas o prazo que as pessoas estavam tendo que esperar para formalizar
suas queixas.
Caio pensava consigo
mesmo que se o Estado investisse mais em funcionários, fizesse mais concursos
públicos para prover a falta de recursos humanos, a população teria um
atendimento melhor.
Quando olhou para o
relógio da parede, o mesmo marcava onze e quarenta e cinco da noite. Caio então
comunicou a cinco pessoas que aguardavam para serem atendidas que era a troca
de plantão, por isso estaria interrompendo o atendimento ali, até que chegasse
outro policial.
Alguns protestaram pela
demora, mas fingindo não dar ouvidos, Caio se dirigiu até os fundos da
delegacia. Cumprimentou um colega que passava e saiu pela garagem para pegar
seu carro.
Colocou-se a caminho da
casa de Lorena. Pelas ruas da cidade observava o movimento. No cruzamento de
uma avenida, havia algumas prostitutas que conversavam na calçada à espera de
clientes.
Enquanto esperava o
sinal abrir, pôde observar um carro que parava e o motorista parecia perguntar
o preço do programa. Em menos de um minuto, uma delas entrava no carro que
tomava rumo desconhecido.
O sinal abriu e Caio
acelerou. Pelas avenidas principais observava o movimento dos bares. Enquanto
parava nos sinais, Caio observava pessoas alegres que pareciam estar ali para
esquecer seus problemas.
A noite estava
agradável, o ar fresco. Talvez por isso os bares estivessem tão lotados. Beber
para esquecer – pensava consigo mesmo – mas não adiantava, a bebida apenas
mascarava os problemas cotidianos que cada um enfrenta em suas vidas.
Por outro lado, o rapaz
pensava também que os bares não eram apenas um lugar de fuga, muitos estavam
ali para namorar, arrumar uma namorada ou simplesmente se divertir. Lembrava-se
das palavras de seu pai que dizia que não podemos ser radicais em nossos pontos
de vista.
Todas estas reflexões
foram interrompidas quando avistou o edifício de Lorena. Do interior do veículo
pôde avistar a moça, ao lado de alguns amigos, na sacada de seu apartamento no
3º andar. Estacionou o carro, atravessou a rua e após ser identificado na
portaria, subiu até seu apartamento.
Tocou a campainha e
quem atendeu a porta era uma moça loira, com um grande sorriso nos lábios.
Quando entrou não
gostou do que viu. Jovens dançavam na sala embalados ao som de música
eletrônica. O ambiente estava enfumaçado devido aos fumantes – que eram quase
que maioria – fazendo com que tossisse e seus olhos começassem a arder.
Passou por todos
indiferente, até que chegou à sacada onde Lorena estava.
Percebendo que o
companheiro chegara – e pela cara do mesmo – Lorena pediu licença aos que ali
estavam e foi ao encontro de Caio.
- Que cara é essa Caio?
– perguntou a moça passando as mãos pelo seu peito. Isso aqui é uma festa,
vamos nos divertir.
Caio a puxou para um
canto da sala e disse:
- Lorena, como é que
você dá uma festa sem a minha presença, enquanto eu estava trabalhando?
- E desde quando
preciso da sua autorização para reunir meus amigos? Perguntava a moça
desafiadora.
- Ah, é assim? Pois vou
acabar com isso aqui agora mesmo.
- Você não ouse fazer
uma grosseria dessas com meus amigos, aqui é a minha casa e não a sua. – Disse
a moça enfática.
- Pois bem – respondeu
Caio mordendo os lábios – fique com seus amigos.
O policial saiu de
perto de Lorena, se dirigindo até a porta. Enquanto atravessava a sala, viu um
casal sentado no sofá enrolando um cigarro de maconha.
Sua raiva era tanta que
pensou em dar voz de prisão aos dois ali mesmo. Lorena que vinha atrás parecia
adivinhar-lhe os pensamentos.
- Olha aqui Caio, não
vá fazer gracinhas porque é só um casal se divertindo.
- Eu não posso admitir
uma coisa dessas. – Disse Caio já na porta do apartamento.
- Hoje você está um
chato Caio – desabafou Lorena já um pouco alcoolizada.
- Lorena, está tudo
acabado entre nós! – gritou Caio.
- Seja feita a sua
vontade, já vai tarde! Você também não acha que estou cansada de ser só um
objeto seu? Perguntava a moça irada.
Caio a olhou, mas não
respondeu nada. Deu-lhe as costas e foi até o elevador.
Lorena ainda o gritou,
enquanto a porta do elevador se fechava. O rapaz saiu do elevador e quando
passava pela portaria, o porteiro perguntou-lhe:
- Já vai “seu” Caio?
- É já vou, amanhã
tenho que trabalhar cedo. – Respondeu seco.
- Boa noite para o
senhor – desejou o porteiro.
Caio agradeceu e saiu
pela porta de vidro. Entrou no seu carro e saiu depressa do local.
Enquanto dirigia
pensava em tudo o que havia acontecido. Tinha sido melhor assim. – Refletia
consigo. Além do mais Lorena tinha razão, ele em mais de um ano em que se
conheciam nunca tinha assumido algo mais sério com ela.
Mas sentia que Lorena
não era a mulher de sua vida, o tipo de mulher com quem queria passar o resto
dos seus dias.
No entanto será que
isto ainda existia? – Perguntava a si mesmo. Será que os casamentos atuais eram
tão duradouros quanto o do seu pai e sua mãe, que ficaram mais de vinte anos
casados e cujo relacionamento havia sido interrompido devido somente à morte de
seu pai?
Lembrava-se de ter lido
uma reportagem na internet de que a vida útil de um casamento era de dez anos.
Todos aqueles
pensamentos provocavam-lhe certa angústia. O perigo da profissão – talvez daí o
maior medo em assumir um compromisso mais sério com alguém -, a ideia de que
talvez só mantivesse relacionamentos superficiais e que nunca encontraria
alguém para construir um relacionamento mais sólido. Tudo isto o atormentava.
Recordava o almoço na
casa de Felipe e naquele momento sentia certa inveja do colega. Não inveja no
sentido de possuir-lhe a mulher; mas aquela inveja de não ter um porto seguro
representado pela família como o colega possuía.
Mais uma vez a imagem
de seu pai lhe veio à cabeça. Costumava se lembrar de que seu pai lhe dizia que
Deus tem um plano para a vida de cada pessoa. Qual seria o plano de Deus para a
sua vida?
Cabia a ele descobrir –
pensava por sua vez. Lembrava ainda que seu pai, nas vezes em que estavam
reunidos na varanda de casa, dizia que Deus vai mostrando seus planos através
de sinais na vida das pessoas.
Era jovem – refletia
enquanto posicionava o carro na porta da garagem – tinha que saber esperar para
ver se surgiria em sua vida à mulher com a qual sonhava.
Enquanto isso era saber
esperar. Depois que guardou o carro na garagem, entrou em casa, deduziu que a
mãe já havia ido deitar-se devido ao correr das horas que adentravam a
madrugada, foi até a cozinha e jantou.
Depois que terminou a
refeição foi para seu quarto. Havia esquecido um pouco a festa, o fim do
relacionamento com Lorena e pôs-se a pensar no crime que vitimara Nathália.
Apagou a luz do quarto e ficou no escuro pensando quem poderia tê-la matado
daquela maneira tão violenta.
Novamente a ideia de um
serial killer lhe veio à cabeça. Mas como Felipe havia bem observado tal
possibilidade ainda era uma coisa remota.
Ficou acordado uns
trinta minutos, para depois cair num sono profundo.
5
Uma
nova vítima
Estavam sentados os
três, o delegado, Caio e Felipe. Ambos conversavam sobre o que já haviam
conseguido na investigação da morte de Nathália. De concreto, os dois agentes
de polícia não haviam conseguido quase nada. Já tinham a certeza de que não
havia sido um latrocínio e que Wesley não estava envolvido, nada mais.
- Pois muito bem –
finalizava a conversa o delegado – eu acredito que agora vocês terão que
centrar suas investigações na galeria onde Nathália trabalhava. Pode ser
provável que o assassino trabalhe lá.
- Doutor – arriscou
Felipe – mas e se o assassino só estivesse passando pelo local?
- Não temos outra linha
investigativa – respondeu o delegado – se concentrem na galeria. Antes de ir
para lá dar prosseguimento à investigação, passem no laboratório de
criminalística para ver o que a perícia concluiu. Por enquanto é tudo senhores
– concluiu o doutor Hugo enquanto separava alguns papéis que estavam sobre sua
mesa.
- Sim senhor, faremos
isso. – Respondeu Caio.
Enquanto Caio e Felipe
iam até o pátio da delegacia pegar a viatura, o último disse:
- Caio, como vamos
interrogar tantas pessoas? Aquela galeria é enorme, sem contar as pessoas das
outras galerias comerciais, das fábricas e os moradores da região.
- Mas qual alternativa
nós temos? Perguntava Caio colocando as chaves do carro na ignição.
- Daqui por diante
teremos que morar naquela galeria – comentava Felipe.
- Não importa, algumas
investigações são mais lentas e demoradas. Mas tenho certeza que se
trabalharmos duro chegaremos até o assassino. – Respondia Caio ao volante
enquanto pegava o caminho em direção ao laboratório de criminalística.
Quando lá chegaram,
procuraram os peritos responsáveis pelo caso de Nathália.
Ambos estavam
trabalhando no laboratório, quando Caio e Felipe entraram no recinto.
- Bom dia – disse Caio
– viemos saber se algo foi encontrado no caso Nathália.
- Ah, sim – respondeu
um dos peritos que preenchia alguns papéis – vamos até ali no computador.
Os dois se aproximaram
e o outro perito que estava sentado no computador começou a mostrar-lhes
algumas fotos.
- Vejam só as marcas
claras de uma esganadura no pescoço – apontava com o ponteiro do mouse – essa
moça deve ter demorado aproximadamente de dez a quinze minutos para morrer.
- Que estrangulamento
brutal – comentou Felipe.
- Nós também
identificamos alguns fios de cabelo – dizia o perito que preenchia papéis
quando eles chegaram – que pelos exames que fizemos são da vítima, mas
encontramos também alguns fios de cabelo que não pertenciam a ela.
“Não encontramos marcas
de estupro, por enquanto foi isso o que conseguimos” – finalizava o perito.
Caio e Felipe
cumprimentaram os colegas pelo trabalho e se retiraram.
- A perícia também não
conseguiu muito – disse Felipe entrando no carro do lado do passageiro.
- Agora teremos que
começar do zero. Como disse o delegado teremos que concentrar nossas investigações
na galeria. – Respondia Caio convicto.
Ambos se dirigiram para
a galeria comercial e pelo caminho quase não conversaram. Lá chegaram e
recomeçaram o trabalho de investigação.
Durante dias os dois
policiais colheram depoimentos, intimaram pessoas a comparecerem à delegacia
para interrogatórios, ficavam na galeria da manhã até de tarde e algumas vezes
adentravam a noite.
Numa tarde chuvosa, os
dois se encontravam na praça de alimentação onde conversavam.
- Felipe, acho que
podemos começar a investigar as outras galerias comerciais.
- Concordo com você –
respondeu Felipe enquanto observava quem passava – aqui a investigação está
esgotada.
- Quantos dias ficamos
aqui sem conseguir nenhuma pista – dizia Caio tomando um suco de laranja.
- Fizemos o que foi
possível – respondia Felipe tentando animar o amigo.
Eram quatro horas da
tarde. Esse era o horário para a troca de turno na galeria comercial que
funcionava até às dez da noite.
O movimento de pessoas
que se dirigiam para a porta de saída e que entravam era grande. Entre as que
iam embora estava Clara, moça que trabalhava no departamento de limpeza da
galeria. Caía uma chuva fina que não intimidava as pessoas a irem para o ponto
de ônibus.
O
ônibus que Clara pegava para ir para casa ficava num ponto um pouco mais
afastado da galeria, há uns dois quarteirões dali. Abriu seu guarda-chuva e
colocou-se a caminho.
Clara
era uma moça de uns vinte e cinco anos. Era branca, loira e tinha os cabelos
compridos. Caminhava tranquilamente pela rua, pensando nas aulas do supletivo
que frequentava a noite, quando de repente foi abordada por um homem que vestia
uma jaqueta com um capuz.
Ela
quis soltar um grito, mas este a advertiu:
-
Se você gritar ou fizer algum gesto brusco te mato aqui mesmo – ameaçou
colocando a mão sobre a camisa onde supostamente havia uma arma.
“Me
siga” – disse o maníaco com a voz firme.
Intimidada
a moça começou a acompanhá-lo, chorando baixinho. Seu medo era tanto que nem
foi capaz de olhar direito para o rosto daquele que a ameaçava, apenas tratou
de seguir suas ordens.
Esta rua dava para um
terreno baldio muito grande, ao qual no fundo se viam alguns prédios.
Os
dois andavam pelo passeio, o homem até se colocou debaixo do guarda-chuva de
Clara. Quem passasse pensaria que se tratava de conhecidos ou até um casal de
namorados. Clara procurava ver se alguém aparecia na rua, pois poderia fazer um
sinal ou algo semelhante, mas notava que apenas um carro passava na rua
debaixo.
Ao
final do passeio, o homem forçou-a a entrar no terreno baldio.
-
O que você vai fazer comigo? – perguntava a moça chorosa.
O
agressor não a respondia, enquanto os dois adentravam cada vez mais naquele
terreno baldio. Ao chegar até uma árvore, ele a empurrou no chão.
-
Por favor, não faça nada comigo – suplicava a moça temendo um estupro.
O
homem a olhava fixamente, onde tirou o capuz que protegia sua cabeça dos pingos
de chuva.
Sem
o capuz, Clara parecia reconhecer o rosto do homem que a ameaçava. Ela olhou-o
por mais alguns instantes e gritou:
-
Você! – Exclamou surpresa.
Neste
momento o assassino se jogou sobre ela e começou a enforcá-la. A moça se
debatia e isto o fazia colocar mais força na agressão.
Como
chovia, suas mãos escorregavam do pescoço da moça, o que dava a esta algum
fôlego. Durante uns dez minutos ele tentou matá-la desta maneira, mas não
conseguia.
Irritado
com aquilo, ele procurou alguma coisa no chão que pudesse usar contra a moça.
Próximo dele estava um pedaço de galho de árvore que o mesmo pegou e começou a
golpear a cabeça da vítima.
Clara
gritava e o criminoso continuava a golpear-lhe a cabeça sem qualquer piedade. A
moça perdeu os sentidos, e o assassino deu-lhe três ou quatro golpes a mais.
Jorrava muito sangue de sua cabeça e o mesmo se convenceu de que a havia
matado. Ele então largou o pedaço de galho no chão e retornou pelo caminho que
havia vindo.
Enquanto
isso, Caio e Felipe continuavam sentados na praça de alimentação da galeria.
Permaneceram ali por cerca de mais duas horas, sempre observando quem chegava e
ficavam de ouvidos atentos às conversas que conseguiam escutar.
Num
dado momento Caio disse:
-
Hoje sua escala de trabalho vai até que horas? – perguntou olhando para o
relógio.
-
Dezoito horas e a sua?
-
A minha também. Vai voltar na delegacia para pegar algo?
-
Não – respondeu Felipe – levantando-se da cadeira.
-
O que você acha de tomarmos alguma coisa? – perguntou Caio chamando o garçom
para acertar a nota do que haviam consumido.
-
Por mim tudo bem, tem algum lugar de preferência?
-
Há uns três quarteirões daqui tem um barzinho cujas mesas ficam debaixo de umas
árvores, parece ser agradável.
-
Vamos lá então – respondeu Felipe.
Caio
acertou com o garçom do estabelecimento da praça de alimentação e ambos foram
embora.
Depois
de cerca de quinze minutos se encontravam no bar ao qual Caio se referia.
Sentados numa mesa sob a copa de uma árvore pediram uma cerveja.
-
Como vai a Lorena Caio? – perguntou Felipe descontraído.
-
Nós terminamos – disse Caio relatando-lhe o que havia acontecido entre os dois.
-
Encontrar a pessoa certa eu acho que é destino – dizia Felipe enquanto tomava
sua cerveja.
-
Você acredita em destino? Não acha que somos nós que construímos o destino
através das decisões que tomamos? – Perguntava Caio pensativo.
-
Mas e esses videntes que existiram e que previram tantas coisas que realmente
aconteceram?
-
Felipe o que eu acho complicado na crença sobre o destino, é pensar que se
realmente ele existe, já existe um futuro construído. – Argumentava Caio
enquanto observava uma moça passar.
“E
como pode haver um futuro construído, se a pessoa ainda não praticou as ações
que vão determinar este ou aquele fato?”
-
Certa vez li uma reportagem de que um computador é capaz de antecipar vinte
jogadas de um jogador de xadrez antes mesmo dele mover a primeira peça. –
Explicava Felipe.
-
E daí – perguntava Caio interessado.
-
O destino vai se construindo pelo livre-arbítrio da pessoa, ou seja, este ou
aquele fato vai acontecer de acordo com as decisões que se tomar.
-
Está querendo dizer que de acordo com a decisão que eu tomar tenho vinte
destinos construídos? – perguntava Caio dando uma risada.
-
É mais ou menos isso – respondia Felipe bem humorado.
-
Felipe, acho que essa cerveja já começou a te deixar bêbado. Caio ia continuar
a falar, quando três viaturas de polícia com as sirenes ligadas passaram em
disparada.
Os
dois agentes de polícia ficaram em alerta.
-
Felipe será que aconteceu alguma coisa aqui perto?
-
Não sei – respondeu hesitante – porque não pegamos o carro e damos algumas
voltas pelos quarteirões próximos?
-
Boa ideia – disse Felipe pegando as chaves do carro – vamos ver se aconteceu
alguma coisa por aqui ou se aquelas viaturas apenas estavam passando.
Ambos
então começaram a rodar de carro pelas redondezas. Depois de alguns minutos
viram que as viaturas estavam paradas perto da galeria, mas especificamente
numa rua atrás dela.
Dentro
do carro os dois permaneciam em silêncio, receando que tivesse acontecido algo
que eles temiam.
Quando
estacionaram o carro, perceberam que as viaturas estavam paradas na entrada do
terreno baldio. Um policial quis impedir que continuassem, então mostraram as
identificações de policiais.
-
O que aconteceu aqui? – perguntou Caio um pouco nervoso.
-
Um homicídio. Um homem de um daqueles prédios – disse apontando para os
edifícios que se encontravam ao fundo – viu da janela um corpo de uma pessoa
próxima de uma árvore e chamou a polícia.
“Quando
chegamos encontramos uma moça morta por espancamento. Estamos esperando a
perícia chegar”.
Caio
e Felipe se entreolharam e disseram ao policial que iriam ao local ver o crime.
Quando
lá chegaram cinco policiais conversavam, enquanto o corpo de Clara estava no
chão. Aparentemente o homicídio não tinha características semelhantes ao de
Nathália.
Se
apresentaram aos colegas de profissão e explicaram que estavam investigando o
crime de Nathália.
-
Ao que parece – começou dizendo um dos policiais – um serial killer está
atuando por essa área. Eu fiquei sabendo do crime contra a vendedora.
Caio
e Felipe olhavam o corpo entristecidos. Se realmente havia ligação entre os
dois crimes, apesar de estarem próximos do local, não conseguiram impedi-lo.
-
É uma ideia precoce se falar em serial killer. O crime contra a vendedora foi
por estrangulamento e este foi por espancamento. – Disse Felipe.
-
Você tem razão, mas o local foi o mesmo. – Argumentou o policial.
“Quais
eram as características físicas da vendedora?” Perguntou o policial enquanto
olhava para o corpo de Clara.
-
Branca, cabelos loiros, estatura mediana. – Respondeu Caio.
-
As características físicas também são semelhantes – concluiu o policial
penalizado.
Os
sete policiais ficaram conversando, trocando impressões sobre os dois crimes,
enquanto esperavam a perícia chegar.
6
Esclarecimentos
sobre a psicopatia
Eram
dez horas da manhã. Caio e Felipe acabavam de chegar do laboratório de
criminalística. Entraram na sala do doutor Hugo e lhe deram a notícia: os fios
de cabelo encontrados no local onde Clara havia sido assassinada eram da mesma
pessoa que havia assassinado Nathália.
O
doutor Hugo olhou-os contrariado, enquanto Caio e Felipe retribuíam o olhar
constrangidos. Depois disso se sentiam mais culpados de não terem conseguido
impedir o segundo crime.
-
Parece que temos um serial killer agindo na região – dizia o doutor Hugo
enquanto se levantava para pegar uma xícara de café.
-
A perícia parece deixar isto claro – respondia Caio resoluto.
- O problema é que
temos poucos agentes, vocês dois terão que se empenhar ainda mais para pegar
esse maníaco.
-
E o que falaremos para a imprensa? Perguntou Felipe.
-
Por enquanto – dizia o delegado tomando o seu café – se algum jornalista
aparecer por aqui diremos que os dois casos não tem ligação nenhuma. Não
ganharemos nada provocando pânico na população.
"Convoquem
novamente pessoas suspeitas para interrogatórios, montem campana perto da
galeria, façam o que for possível para pegarmos esse criminoso.”
Neste
momento, um agente pedia licença para entrar na sala, queriam falar com o
doutor Hugo ao telefone.
-
Transfira a ligação para cá – pediu o delegado.
Quando
atendeu o telefone, Caio e Felipe notaram no semblante do delegado que o mesmo
parecia estarrecido com a notícia que lhe era transmitida.
-
Sim eu entendo – falava o delegado com a pessoa do outro lado da linha –
continuaremos fazendo o que for possível.
O
delegado desligou o telefone e ficou em silêncio durante alguns momentos. Olhou
para Caio e Felipe que se encontravam a sua frente e disse:
-
Policiais acabaram de encontrar mais um corpo de mulher próximo da galeria –
dizia perplexo – ao que tudo indica ia para o trabalho agora de manhã.
-
Minha nossa! – exclamou Felipe – quanta audácia matar a luz do dia.
-
Este criminoso deve ser um psicopata. Quero que vocês consigam um psiquiatra
forense para sabermos com que tipo de pessoa estamos lidando. Não adianta vocês
irem até o local do crime porque o corpo já foi retirado. Voltem até a galeria
e vejam o que conseguem. Quero ver vocês de tarde. – Finalizou a conversa o
delegado.
Caio
e Felipe rumaram para a galeria, antes passariam no fórum para ver se
conseguiam falar com algum psiquiatra forense.
Na
galeria comercial não se falava em outra coisa. Nas conversas entre o pessoal
da limpeza, da praça de alimentação, da segurança, dos reparos gerais e conversas
de clientes que frequentavam a galeria o assassino já era chamado de “o maníaco
da galeria”.
Em
outra parte da cidade, na redação de um jornal, se encontrava uma moça sentada
em frente a um computador digitando um texto.
Naquele
momento o telefone tocou, no que ela atendeu. Diante da notícia que lhe era
dada, ela tirou os olhos da tela do computador e começou a escutar atentamente
quem estava do outro lado da linha.
-
Eu já tinha ouvido falar dos outros dois crimes. Muito obrigada pela
informação. Abraços! – disse desligando o telefone.
Ela
levantou-se e foi até a sala do dono do jornal. Ele estava transmitindo algumas
ordens a sua secretária, quando a viu pediu que se sentasse. Assim ela o fez
enquanto ficou aguardando a conversa dos dois terminarem.
Quando
a secretária se retirou da sala ela disse:
-
Josué, preciso que você me dê uma matéria.
-
Qual matéria Thaís? – perguntou curioso.
-
Uma fonte que tenho na polícia me disse que tem um serial killer agindo na zona
leste, numa galeria comercial, hoje de manhã aconteceu o terceiro assassinato.
-
E você quer cobrir a matéria?
-
Exatamente. Gosto de reportagens investigativas.
-
Pois muito bem – disse o dono do jornal – a matéria é sua. Mas quero reportagem
de capa heim?!
Radiante
a moça agradeceu e se levantou da cadeira para voltar a sua mesa, mas antes que
saísse Josué disse:
-
Quem vai trabalhar com você nesta matéria como fotógrafo e motorista será o
Osvaldo. Vão até a delegacia agora à tarde e consigam em primeira mão uma
entrevista com o delegado.
-
Pode deixar chefe, não o decepcionaremos. – disse a moça saindo da sala e
fechando a porta.
Enquanto
isso, Caio e Felipe chegavam até o fórum da cidade. Dirigiram-se até a recepção
e perguntaram aonde poderiam falar com um psiquiatra forense.
-
Eu ainda não o vi hoje por aqui – informou a atendente – mas vão até a sala do
juiz que certamente lhe darão o telefone do doutor Vitor.
Os
dois fizeram isso e na sala do juiz lhes foi dado o telefone do psiquiatra.
Caio ligou dali mesmo para ele, o mesmo atendeu e o policial explicou-lhe
rapidamente a situação, pedindo-lhe que comparecesse na delegacia no período da
tarde.
Do
fórum os dois policiais seguiram para a galeria comercial. Lá eles intimaram
alguns funcionários da limpeza, da praça de alimentação, da manutenção e da
segurança para prestar novos depoimentos. Depois disso foram almoçar.
No
período da tarde, por volta das quatorze horas o doutor Vitor adentrava o
interior da delegacia. Pediu informações de onde encontraria o delegado, um
agente de polícia pediu que aguardasse, pois iria anunciar a sua chegada.
Na
sala do delegado, Caio e Felipe conversavam com o mesmo que haviam convocado
algumas pessoas já interrogadas para prestarem novos depoimentos. O delegado
ouvia-os atentamente, quando o agente avisou que o psiquiatra queria vê-lo.
O
delegado pediu ao agente que chamasse o mesmo até sua sala.
O doutor Vitor entrou
na sala do delegado. - Doutor Hugo? – perguntou o psiquiatra.
- Sim sou eu. O senhor
deve ser o doutor Vitor? – replicou o delegado levantando-se para
cumprimentá-lo.
Após cumprimentaram-se,
o delegado disse:
- Estes são Caio e
Felipe, são os agentes que estão investigando este caso.
- Muito prazer –
cumprimentou o médico apertando a mão dos policiais.
- Por favor, sente-se –
disse o delegado indicando a cadeira que ficava em frente à sua mesa.
Caio e Felipe
permaneceram em pé e puseram-se a ouvir a conversa.
O delegado então
começou a dizer:
- Estamos lidando com
um criminoso que já matou três mulheres, não entendo do assunto doutor Vitor,
mas penso ser um psicopata. Todos eles matam desta maneira?
- Veja bem doutor Hugo
– começou a falar o psiquiatra – as pessoas tem uma ideia errônea do que seja
um psicopata, geralmente eles são associados a estes personagens de filmes de
cinema, mas posso lhe garantir que a maioria dos psicopatas não são assassinos.
Arriscaria até a lhe dizer com base em estudos já realizados, que setenta por
cento dos psicopatas são incapazes de cometer um homicídio.
- É mesmo? – comentou o
delegado espantado. Eu achava que todo psicopata era assassino.
- Não, nem todo
psicopata é assassino, assim como nem todo assassino é psicopata.
"Isto não quer
dizer – completou o doutor Vitor – que eles não façam estragos emocionais e
financeiros na vida das pessoas que lhe cruzam o caminho".
- Então o que é um
psicopata? – perguntou o delegado demonstrando vivo interesse pelo assunto.
- Um psicopata –
começou o doutor Vitor – é uma pessoa que sofre de uma deformação permanente de
caráter.
- Como assim?
- São indivíduos que
não conseguem sentir emoções verdadeiras, são totalmente frios, não tem
sensibilidade para com os sentimentos das outras pessoas, o outro só serve para
seu uso – as pessoas são como coisas para eles - e não se enquadram em qualquer
tipo de regras.
- Eles não possuem
empatia? Indagava o delegado.
- Exatamente – disse o
doutor Vitor com satisfação por se fazer entender – eles não conseguem se
colocar no lugar dos outros.
“Os psicopatas são
indivíduos egocêntricos e egoístas – colocam sempre os seus interesses em
primeiro lugar - não sentem remorso nem culpa pelos males que causam a outras
pessoas.”
- Então este é o tipo
de pessoa com quem estamos lidando?
- Bem – refletiu o
doutor Vitor por alguns instantes – essa seria uma caracterização geral do que
seria um psicopata. Mas o psicopata que vocês estão lidando é classificado como
de grau grave.
- Então a psicopatia
tem graus? Inquiriu o delegado enquanto se levantava para tomar um pouco de
café.
O mesmo ofereceu café
para o doutor Vitor no que este recusou, prosseguindo:
- Exatamente, a
psicopatia pode ser classificada em três graus: leve, moderada e grave.
“Os psicopatas de grau
leve tem uma inteligência mediana e em alguns casos até acima da média comum,
são bastante racionais, porém são mentirosos, a ponto de planejarem tão bem
suas mentiras que conseguem mentir olhando nos olhos como se estivessem falando
a mais pura verdade. Eles também apresentam comportamento duplo, pois
socialmente aparentam serem pessoas boas, quando na realidade escondem um lado
sombrio. São tão dissimulados que conseguem esconder das pessoas que convivem
com eles a frieza, o descaso para com o sentimento dos outros e a manipulação
com que enganam as pessoas. São tão manipuladores que podem viver enganando uma
pessoa e ainda se passar por vítima quando seu golpe é descoberto.”
- Quem são estes
psicopatas? – questionou o delegado.
- São os
estelionatários, determinados executivos bem sucedidos que estão sempre puxando
o tapete dos colegas para obterem promoções e alguns políticos, como aqueles
que desviam a verba pública destinada aos hospitais.
- E os de grau
moderado?
- Os psicopatas de grau
moderado – respondia o doutor Vitor – na maioria das vezes estão envolvidos com
drogas ou álcool, podem ainda ser indivíduos que se entregam a vadiagem e ao
vandalismo. Enquadram-se também entre os jogadores inveterados e podem praticar
estelionatos de grande repercussão e aplicar grandes golpes contra pessoas de
boa fé.
“Já os psicopatas de
grau grave – que é o assassino que vocês estão procurando – são os chamados
seriais killers. São assassinos sádicos, onde o prazer deles – sexual ou não -
provém do sofrimento que impõem a vítima.”
- Como se comportam
estes psicopatas de grau grave? – perguntou o delegado surpreso.
- Geralmente se
apresentam como uma pessoa normal aos olhos da sociedade, trabalham, estudam,
podem ser casados e ter filhos, porém isto é apenas uma máscara que esconde sua
personalidade assassina, fria - pois não sentem sentimentos fraternos para com
outros seres humanos, como amor, consideração e altruísmo - e sem nenhum
remorso ou compaixão pela vida das suas vítimas.
- Doutor Vitor – dizia
Hugo com o semblante curioso – a psicopatia pode ser considerada uma doença
mental?
- De maneira alguma –
argumentava o médico – os psicopatas não podem ser enquadrados no quadro das
doenças mentais – como a esquizofrenia - pois não sofrem de alucinações e nem
apresentam qualquer tipo de sofrimento mental, como na neurose ou na depressão.
“Também não são loucos
porque tem consciência de seus atos, sabem diferenciar o certo do errado,
possuem o discernimento necessário para compreenderem que seus atos causam
repulsa a sociedade. Ao contrário, são racionais, frios, falsos e calculistas.”
- E existe tratamento?
- Não, a psicopatia não
tem tratamento nem cura.
- O que devemos fazer?
- Vocês tem que
prendê-lo, pois ele vai continuar matando.
Neste momento o
delegado, Caio e Felipe se entreolharam.
- Bem doutor Vitor –
dizia o delegado – agradeço-lhe os esclarecimentos, nos foram de muita valia.
- Precisando é só me
chamar. Ambos despediram-se e o psiquiatra também despediu-se de Caio e Felipe,
saindo da sala.
O delegado parecia
refletir todas aquelas informações, quando disse:
- Vocês ouviram bem o
homem, enquanto não o prendermos ele não vai parar de matar.
- Correto doutor –
respondeu Caio – vamos prender este criminoso.
Caio ia continuar a
falar, quando o agente de polícia novamente entrou na sala para anunciar que
uma repórter queria falar com o delegado.
- Só faltava essa,
estamos com este tremendo problema nas mãos e lá vem à imprensa fazer barulho.
– Comentou Felipe franzindo a testa.
Ao contrário da
conversa com o doutor Vitor, o delegado também fez uma cara de que não ficou
satisfeito com aquela segunda visita.
- Fazer o quê –
desabafou expressando na voz um ar de cansaço – mande-a entrar.
7
Thaís
Thaís e Osvaldo pediram
licença e entraram na sala. Eles cumprimentaram o delegado e em seguida foram
cumprimentar Caio e Felipe.
Quando os olhares de
Caio e Thaís se encontraram um estremecimento interior tomou conta de ambos. Os
olhos de Caio pareciam vislumbrar a mulher mais linda que ele já tinha visto na
vida.
Thaís era loira, seus
cabelos eram volumosos, sedosos e macios, com um cumprimento um pouco abaixo
dos ombros, o que lhes dava um glamour todo especial. Sua pele era branca,
tinha sobrancelhas finas e cílios longos, seus grandes e arredondados olhos
verdes tinham um encanto difícil de definir em palavras.
Sua estatura deveria
beirar os 1, 65 m, sua testa era larga, as bochechas eram rosadas e seus lábios
grossos emolduravam um lindo sorriso. Tinha o nariz fino e o queixo pequeno.
Seu corpo era curvilíneo, o famoso corpo “violão”, possuía seios fartos, seu
quadril era mais largo do que a linha da sua cintura, suas pernas eram grossas
com coxas volumosas e tinha os pés pequenos.
Caio e ela trocaram um
aperto de mão, mas naquela fração de segundos os dois pareciam paralisados
encantados um com o outro.
- Doutor Hugo – disse
Thaís pegando um telefone celular que se presumia ter um gravador de mp3 –
gostaria de fazer algumas perguntas ao senhor sobre "o maníaco da galeria".
- Eu não sabia que ele
já tinha até apelido – disse o delegado com certa ironia – vocês da imprensa às
vezes são mais bem informados do que nós.
- Vocês já tem alguma
pista de quem seja esse assassino? – perguntou Thaís acionando o gravador.
- Na verdade – começou
respondendo o doutor Hugo – estamos trabalhando para prendê-lo o mais rápido
possível.
- Mais já há algo de
concreto sobre quem seja ele? – insistiu Thaís.
- Não posso lhe
responder isso, pois poderia atrapalhar o rumo das investigações, o que posso
lhe garantir é que estamos trabalhando para tirá-lo das ruas.
A moça continuou a
entrevistar o delegado por mais uns trinta minutos. Enquanto a entrevista
transcorria Osvaldo tirava algumas fotos.
Caio não tirava os
olhos da moça, observava-lhe os gestos graciosos, as expressões faciais daquele
que lhe parecia o rosto mais lindo do mundo.
A moça parecia notar o
interesse do rapaz por ela, durante o transcorrer da entrevista, em intervalos
mais ou menos longos, ela lhe retribuía os olhares lânguidos.
- Bem doutor Hugo –
disse Thaís – o jornal “Aconteceu” gostaria de acompanhar este caso até a
prisão do criminoso.
- Vocês querem
acompanhar a investigação? – perguntou o delegado.
- Sim, gostaríamos de
acompanhar as diligências e tudo o mais que se refira a este caso.
- Bem – começou
ponderando o delegado – vocês não podem ir junto dos investigadores na viatura
policial – que neste caso são Caio e Felipe – mas nada impede que o carro de
reportagem de vocês os siga em suas diligências.
“Mas como temos um
número reduzido de agentes, Caio e Felipe também atuam em outras ocorrências
policiais que às vezes envolvem um grau de periculosidade, por isso – enfatizou
o delegado – não nos responsabilizamos se algo vier a acontecer com vocês.”
- Nós assumimos o risco
– respondeu a moça corajosa – o que queremos é cobrir este caso até o final.
A conversa transcorreu
durante mais alguns minutos, quando ficou acertado que Thaís e Osvaldo poderiam
começar seu trabalho de cobertura do caso policial no outro dia.
Os dois se despediram e
antes de sair da sala a moça lançou um último olhar para Caio. Um observador
atento perceberia que os olhos dos dois brilharam.
- Doutor – começou a
dizer Felipe – acho extremamente perigoso repórteres acompanharem nosso
trabalho policial, sem contar que eles ainda tem a mania de atrapalhar nossas
investigações.
- Não podemos obstruir
o trabalho da imprensa Felipe, a partir de agora vocês terão que lidar com
isso.
- O que você achou
Caio? Perguntou o delegado se dirigindo ao policial que parecia embriagado
pelas sensações que sentira na presença da moça.
- Por mim tudo bem
doutor – respondeu voltando a si rapidamente – acredito que eles não vão nos
atrapalhar.
Felipe deu uma
risadinha parecendo entender a não oposição de Caio ao trabalho dos dois
jornalistas, ele que sempre tivera birra da imprensa.
O delegado disse aos
dois investigadores que por hoje aquilo era tudo e os três saíram da delegacia
rumo as suas casas.
No caminho para casa
Thaís não saía da cabeça de Caio. Seria esse o chamado “amor à primeira vista”?
Caio também se sentia feliz de ter causado alguma impressão na moça, se
lembrava daquela sensação estranha que tomou conta dele quando a viu e de ter
sido de certa forma correspondida por ela.
Já fazia alguns anos
que Caio e o sentimento de amor estavam distantes. A rotina policial havia
feito dele uma pessoa dura, muitas vezes ríspida em determinadas ocasiões.
Muitas vezes não conseguia sentir pelas pessoas nem aquele amor fraternal que
tantas vezes seu pai havia lhe falado.
Aliás, entendia esse
“amar aos outros como si mesmo” como sendo o respeito que deve se ter pelo
outro, já que entendia que o amor nascia da convivência.
Lembrava-se de que
quando era estudante e tinha os seus doze anos se apaixonara por uma colega de
escola, que estudava na mesma sala que a sua.
A princípio era só uma
garota que se sentava na carteira da frente na fila junto à parede. Seu nome
era Pâmela. Mas com o tempo ele ia percebendo que passava a olhá-la com outros
olhos, de uma forma diferente.
Em algumas ocasiões ela
abria a velha janela de madeira da sala em que estudavam e com uma caneta
começava a escrever e desenhar coisas. Ele que estava atrás ficava observando
uma de suas mãos que buscava apoio na janela e começava a perceber que já não
olhava aquela mão de uma maneira “normal”. Ficava-a admirando, seu desejo era
cobri-la de beijos. A partir daquele momento percebia que estava apaixonado.
Recordava-se de que foi
uma das melhores sensações que havia vivido até então. Sentia-se leve, feliz,
por se sentar perto dela todos os dias e ao final da aula quando a via no
portão da escola conversando com as amigas, ficava esperando ansioso o dia
seguinte para vê-la novamente.
Só que como naquela
época era um menino ainda tímido não teve a coragem de declarar o seu amor a
Pâmela. Mas mesmo assim, aquele ano da sexta série (atual 7º ano do ensino
fundamental - N.E) havia transcorrido de uma maneira maravilhosa.
Aos poucos aquele
sentimento foi se abrandando e no ano seguinte já não sentia mais nada por ela.
Pensava que havia errado em não se declarar, mas e se ele levasse um não como
resposta ao seu amor?
Mas mesmo não tendo se
declarado, mesmo não tendo sido correspondido, aquele sentimento foi um dos
mais belos de sua vida, um dos melhores de ser vivenciado. Ele podia falar a si
mesmo que um dia amara alguém de verdade.
Os anos foram passando
e Caio percebera que à medida que ia ficando mais velho, à medida que ia
conhecendo e percebendo o que era a vida e as pessoas ia gradativamente se
tornando mais frio.
O amor – pensaria anos
depois quando se lembrava de Pâmela – é um sentimento que floresce apenas nos
corações puros como daquela criança que fora um dia.
Com a morte do pai aos
dezesseis anos, este sentimento de frieza pareceu se acentuar, talvez devido à
dor daquela perda. Seu pai era um grande referencial na sua vida.
Homem cristão – embora não fosse filiado a nenhuma escola religiosa do mundo – na
verdade tratava-se de um espiritualista, uma pessoa que buscava a melhor parte
de cada religião.
Quando estavam os três
reunidos aos finais de semana, na sala ou na varanda – lugar preferido que
gostavam de estar – seu pai falava a ele e sua mãe sobre este amor fraternal
que deveria unir os seres humanos, que fora tão enfatizado por Jesus e por
outros profetas de outras religiões.
Embora a proposta fosse
maravilhosa – deste amor universal unindo os seres humanos – a prática policial
lhe fizera perceber que alguns seres humanos tinham um arrastamento para o mal.
Ele percebia que o que
refreava um pouco os instintos animalescos do homem na vida em sociedade eram
as leis e suas punições aos que a ela transgredissem. Mesmo assim, quantos
crimes eram praticados todos os dias.
Além do mais – ia pensando
enquanto dirigia – quantas pessoas não querem ser amadas? O que adiantava
pregar o amor e tentar praticá-lo, se tantas pessoas são indiferentes a isso?
Se grande parte da humanidade estava ainda preocupada com a sexualidade e a
resolução de suas necessidades materiais?
Naquele momento Caio
conversava consigo mesmo. Formulava todas essas questões e algumas vezes
respondia para si próprio.
Talvez a prática do
amor deveria deixar de ser apenas uma coisa repetida mecanicamente pelos lábios
e devesse brotar do interior do indivíduo. Mas do que pregar a reforma do
mundo, talvez os indivíduos devessem se reformar internamente primeiro, para
depois reformar o mundo.
Já virava o quarteirão
onde ficava sua casa e observou pelo para-brisa do carro aquela linda noite de
céu estrelado. A imensidão do céu e as estrelas cintilantes era um espetáculo
fascinante. Finalizava aquelas reflexões enquanto chegava em casa, pensando que
apesar do lado feio que os seres humanos apresentam, existia um Deus, criador
de tudo e de todos.
Guardou o carro na
garagem e encontrou sua mãe na varanda de casa observando o movimento da rua.
- Olá dona Rosalinda –
brincou o moço sentando-se numa cadeira – o que a senhora está tanto a meditar?
- A Lorena me ligou
hoje, chorou muito no telefone.
- Mãe não quero saber
mais da Lorena – respondeu o rapaz irritado – cheguei a conclusão que ela não é
mulher para mim.
- E você acha certo
tê-la abandonado no meio de uma festa que ela me disse que tinha organizado
para você se distrair um pouco?
- Festa para mim? –
perguntou Caio indignado.
Caio então lhe contou
toda a história. Dona Rosalinda ouvia-o atentamente.
- Pois é meu filho, ela
parecia tão sincera no telefone, parecia tão fragilizada que fiquei com pena
dela.
“Mas no fundo sempre a
achei uma pessoa volúvel, mas nunca disse nada a você, pois não queria
magoá-lo.”
- Mãe, se ela ligar
novamente explique para ela que não existe mais nada entre nós dois.
- Acredito que você
deveria ter uma última conversa com ela, explicando-lhe os motivos que o levam
a romper o relacionamento entre vocês dois, tente terminar com tudo sem
magoá-la.
- Para mim já está tudo
terminado – disse Caio resoluto – não tenho mais nada a conversar com ela.
- Está bem meu filho,
mas caso ela venha a conversar com você tente não magoá-la.
- Está certo mãe. Agora
vou entrar e tomar um banho. Depois conversamos mais sobre isto.
O rapaz deu-lhe um
beijo no rosto e entrou em casa.
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