"Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você". Sartre

terça-feira, 2 de junho de 2015

Prazer momentâneo

Prazer momentâneo

 Este conto participou do concurso de contos Ateneu de Coimbra

Eles eram a turma mais feliz do mundo. Eram amigos de escola, aos finais de semana iam para o clube, jogavam bola e vôlei, se reuniam nas casas uns dos outros para tocar violão.
Naquele fim de semana estavam indo acampar numa cachoeira. O grupo devia ter uns 15 adolescentes.
Eles andavam por uma trilha, quando Gabriel disse:
- Gente, será que falta muito?
- É depois daquela montanha – respondeu Jhony – vamos ter que andar mais cerca de uma hora.
- Nossa, como isso aqui é bonito – disse Laís – a natureza nos aproxima mais de Deus, vocês não acham?
Todos concordaram com ela. Andaram por mais uma hora e chegaram na cachoeira.
Os mais afoitos tiraram as camisas e pularam na água. Gabriel, Jhony e Alexandre foram montar as barracas, enquanto as meninas montavam a churrasqueira.
- Jhony, estamos no terceiro ano do ensino médio – começou a dizer Gabriel – você já sabe o que vai fazer depois que sair da escola?
- Meu plano é entrar na faculdade – respondeu Jhony sem titubear – quero fazer engenharia civil.
- Eu quero fazer direito – disse Gabriel por sua vez – pretendo ser juiz.
Então eles ficaram conversando enquanto montavam as barracas. Eles eram adolescentes cheios de vida e de sonhos. Ainda não haviam sido contaminados pela maldade do mundo.
Nisto, outro grupo chegou na cachoeira. Era a turma do Herley. Eles foram até ao encontro de Jhony, Gabriel, Alexandre e Laís.
- Grande Jhony – disse Herley festivo – se eu soubesse que vocês vinham para cá, teria saído junto com vocês.
- Fala aí Herley! – respondeu Jhony sorridente. – Mas não tem importância, o que importa é que vocês estão aqui.
- Vocês vão ficar até domingo? – perguntou Herley.
- É, amanhã a tarde vamos embora. – Respondeu Jhony, enquanto batia com o martelo numa estaca da barraca.
- Você o conhece? – perguntou Alexandre a Laís.
- Só de vista – respondeu Laís com o semblante fechado – mas já ouvi dizer que ele mexe com droga.
Alexandre e Laís então foram olhar a carne. E durante aquela tarde de sábado, eles nadaram, comeram carne assada e tocaram violão.
Anoiteceu no acampamento. O grupo fez uma fogueira perto das barracas e estavam reunidos numa grande roda de violão.
Um garoto tocava uma música:

"Ei menino branco o que é que você faz aqui
Subindo o morro pra tentar se divertir
Mas já disse que não tem
E você ainda quer mais
Por que você não me deixa em paz?
Por que você não me deixa em paz?

Desses vinte anos nenhum foi feito pra mim
E agora você quer que eu fique assim igual a você
É mesmo, como vou crescer, se nada cresce por aqui?
Quem vai tomar conta dos doentes?
E quando tem chacina de adolescentes
Como é que você se sente?
Como é que você se sente?

Em vez de luz tem tiroteio no fim do túnel
Ô, ô, sempre mais do mesmo
Não era isso que você queria ouvir?
Bondade sua me explicar com tanta determinação
Exatamente o que eu sinto, como eu penso e como sou
Eu realmente não sabia que eu pensava assim
E agora você quer um retrato do país
Mas queimaram o filme, queimaram o filme

E enquanto isso, na enfermaria
Todos os doentes estão cantando sucessos populares... sucessos populares... Sucessos populares... sucessos populares... sucessos populares"... 

Quando a música terminou, Herley se aproximou de Jhony, que conversava animadamente com Laís.
      - Jhony – disse Herley com um sorriso no rosto – queria te dar uma ideia.
- Diz aí Herley!
- Eu queria te falar uma coisa em particular.
Jhony então pediu licença a Laís, se levantando para ir ter com Herley.
Herley pediu que o seguisse, onde chamou mais três garotos na sua barraca, dizendo:
- Jhony, vamos fazer uma trilha pelo mato?
- Mas agora, de noite? – disse Jhony com estranheza no semblante.
- Eu queria te mostrar uma coisa – disse Herley com um olhar enigmático.
Jhony então o seguiu, juntamente com os outros garotos, tomado pela curiosidade.
Eles andaram então pela trilha no mato, onde perto de uma árvore Herley estacou a marcha do grupo.
- Mas o que é que você queria me falar Herley?
- Eu não quero só te falar, eu tenho uma coisa pra te mostrar.
Herley então tirou do bolso da calça um saquinho de plástico. Depois que ele o colocou na mão, disse:
- Quero te apresentar o cigarrinho da Jamaica.
- Cigarrinho da Jamaica? – interrogou Jhony sem entender.
- Maconha meu!
O coração de Jhony começou a bater disparado. Ele estava com 16 anos e nunca tinha usado maconha, nem qualquer outro tipo de droga.
- Herley, eu não curto isso não – disse Jhony sem graça – sou careta.
- Mas como é que você pode julgar uma coisa sem conhecê-la? – inquiriu Herley desafiador.
Herley então acendeu o back, dizendo em seguida:
- Meu irmão, você vai fazer uma viagem incrível! – falou Herley estendendo o back em sua direção.
Jhony ficou com medo de ser tratado como medroso pelo grupo, onde pegou hesitante o back das mãos de Herley.
- Traga logo esse negócio meu! – disse um dos garotos.
Jhony então começou a tragar o baseado. Passados alguns minutos, sentia uma sensação de euforia, a percepção dilatada e mil pensamentos jorravam do seu cérebro.
- Nossa meu! – exclamou estupefato – que viagem cara!
- Eu te disse Jhony – falou Herley sorrindo – que você ia fazer uma viagem incrível.
Naquele mesmo dia, Jhony ficara diferente com os amigos. Voltou para a barraca somente de madrugada, e no outro dia – contrariando a expectativa dos colegas – acordou quase meio-dia.
- O que será que aconteceu com o Jhony? – perguntou Alexandre a Laís.
- Ontem depois que ele saiu com o Herley, não voltou novamente para junto de nós. Notei que ele chegou na barraca só de madrugada.
- Estranho – respondeu Alexandre pensativo.
E dessa maneira, o grupo de jovens retornou para a cidade no domingo a tarde. Só que Jhony estava transformado. Ele havia sentido uma sensação de prazer muito grande ao fumar maconha, que era uma coisa contrária ao que falavam da droga para ele.
A partir de então, ele passou a não frequentar mais o círculo de sua turma. Na verdade, Gabriel, Alexandre, Laís e os outros, perceberam que aquele era o final da turma deles.
O terceiro ano chegou ao fim, vários passaram em vestibulares de faculdades de outras cidades, outros começaram a trabalhar, enfim, cada qual seguiu seu rumo.
Um dia, Gabriel fora fazer uma visita à casa de Laís. A amiga estava cursando administração e ele educação física.
- Como andam as coisas Laís? – perguntou Gabriel dando-lhe três beijinhos no rosto.
- Com muitas saudades de todos vocês! – exclamou Laís – todo mundo sumiu.
E eles então começaram a lembrar de cada integrante da turma deles, no que a pessoa tinha passado, onde ela estava morando...
E inevitavelmente a conversa caiu em Jhony. Eles se lembravam que ele fora o primeiro a debandar da turma. Alexandre comentou com Laís, que um conhecido dele tinha lhe dito que Jhony entrara de cabeça na maconha e que agora era um viciado, que não estudava, não trabalhava, só comia e dormia o dia inteiro, saindo a noite para ir fumar maconha. Eles concluíam que Herley havia sido o amigo da onça, apresentando a droga para o antigo colega.
Por causa da maconha Jhony havia jogado tudo para cima: o sonho da faculdade, as amizades.
Eles lamentavam a sorte do colega, já que Jhony nunca demonstrara más tendências, aonde conjecturavam que por causa de um prazer momentâneo, o amigo tinha mudado o rumo de sua vida.


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