Viviane
•
Este conto participou do 2º Concurso do Festival de Contos da Literarte – RJ
Eram cinco horas da
manhã. Viviane acordara sonolenta, quando o alarme do telefone celular começou
a tocar. Levantou-se nua da cama e foi até uma cadeira pegar sua roupa.
“Mais um dia de labuta”
– pensou consigo mesma. – “Tenho que me arrumar rápido senão perco o ônibus”.
Depois de vestida, foi até a cozinha tomar café. Quando chegou lá, constatou
que havia os mesmos pães velhos do dia anterior. “Ontem mamãe reclamou que não tivera
dinheiro para comprar pão, tomara que tenha café” – pensou com seus botões.
Porém, quando
verificara a lata de café, a mesma estava vazia. Teria que ir para o trabalho
com a barriga vazia. “Vida de pobre é foda” – disse de si para consigo. Colocou
a vasilha no lugar, passou pela sala e foi até a porta. Transpôs a mesma e
adentrou o alpendre da casa. As estrelas cintilavam no céu, ainda era noite.
Destrancou o portão e ganhou a via pública.
Caminhou até o ponto de
ônibus e ficou esperando o coletivo. Deve ter esperado cerca de meia hora, até
que o veículo virou a esquina. O ônibus parou no ponto e ela adentrou o mesmo.
O ônibus se encontrava
quase vazio. Naquele momento ele era ocupado pelos primeiros trabalhadores que
iam para seus trabalhos. Pelo caminho ela observava as casas e os edifícios. A
cidade ainda dormia.
Ela ficou pensando em
sua vida. Não pudera terminar os estudos, pois quando arranjara o emprego,
ficava muito tarde para ela estudar, pois levantava muito cedo. Pensava que
aquele emprego permitia que ela ajudasse os pais, porém o mesmo era representado
pela exploração e pela opressão.
Não gostava de sua
patroa. Ela só sabia censurar-lhe a conduta e o serviço que ela fazia. “Como é
difícil conviver com os outros” – pensava interiormente – “aquela coquete nunca
trabalhou e não sabe fazer outra coisa além de me criticar”.
Uma lágrima escorreu
por sua face. Pensava que o outro podia ser bem ruim quando ele queria. Mas
espantou todos aqueles pensamentos, dizendo para si mesma que tempos melhores
viriam.
O ônibus adentrava a
rua em que a patroa morava. Levantou-se, deu o sinal, cumprimentou o motorista
e desceu.
Pegou o molho de chaves
e abriu a porta. A casa estava no mais completo silêncio. Foi para a cozinha,
tinha que fazer café para os filhos do casal que estudavam cedo.
Colocou a água na
cafeteira, pegou um dinheiro que estava em cima da mesa e foi até a padaria
comprar pão. Quando lá chegou, o balconista fez festa. Ele era gamado em
Viviane fazia um bom tempo. Ficava cantando a moça, mais Viviane não sentia
atração física por ele.
- Oi minha linda! –
exclamou com a fala macia.
- Oi – respondeu seca.
- Hoje você está mais
bonita que ontem – disse fixando seus olhos nos olhos dela.
Viviane
retrucou:
- São seus olhos –
disse ironicamente. Pegou o pão e se pôs de volta à casa dos patrões. Voltou à
cozinha e foi colocar pó na cafeteira.
Quem acordou primeiro
foi Danilo. Aquele dia ele estava especialmente irritado. Não pudera ir até
um bar com os amigos na noite anterior, pois tinha que levantar cedo. Ele
entrou na cozinha e fingiu que não viu Viviane.
Aquilo machucava a
moça. Ela tinha 20 anos e o rapaz 16 e sentia uma intensa atração física por
ele. Naquela manhã, ele estava sem camisa, onde Viviane ficou contemplando
aquele peito cabeludo.
“Eu tenho peito, tenho
bunda, será que ele nunca percebeu isso?” – se perguntava a doméstica naquele
momento. Ela estava perdida nestes pensamentos, quando a irmã do rapaz adentrou
a cozinha para tomar água.
- Bom dia Viviane! –
disse risonha.
- Bom dia Bianca –
respondeu Viviane cordialmente – hoje você pulou da cama – observou.
- Tem que ir para a
escola, não é? – interrogou a moça – ainda bem que amanhã é sábado. Disse estas
palavras e foi para o banheiro tomar um banho.
Viviane então foi para a copa servir a mesa. Colocou a garrafa de café, os pães e algumas quitandas em cima de uma toalha. Ficou
pensando em Danilo e de como ele podia desprezá-la tanto. Mas também conjecturou
que um estudante de classe média jamais quereria alguma coisa com uma empregada
doméstica. Naquele momento pensava na questão das classes sociais.
Os dois estudantes se
sentaram à mesa e começaram a tomar café. Viviane aproveitou para ir para a cozinha tomar o seu
escondido – já que a patroa não gostava que ela comesse na casa deles – mas ela resolveu correr o risco, pois não comera nada em casa.
Danilo e Bianca então se dirigiram para a garagem. Adentraram o veículo da família e se puseram em
direção à escola. Viviane estava sozinha. Sentiu vontade de assistir televisão,
mas se lembrou que a patroa não gostava que ela mexesse nos aparelhos
eletrônicos da casa. Ficou então na cozinha pensando na sua vida de mulher
pobre.
Passou-se uma hora.
Viviane estava na cozinha esperando que os patrões acordassem para tomar café.
De repente, o marido de Fernanda adentrava a cozinha atrás dela. Ele
cheirava-lhe o cangote e ela reclamava daqueles carinhos. Quando viram Viviane,
os dois a olharam por alguns instantes, porém fingiram que ela não estava ali e
o marido voltou a fungar-lhe o cangote. Ele parecia gostar que Viviane visse
aquelas efusões afetivas. Ele então colocou a mão na bunda da mulher, no que
ela lhe disse que mantivesse o respeito na frente de uma pessoa estranha. O
homem reclamou da admoestação da esposa e foi para o quarto resmungando.
- Hoje nós temos que
conversar – disse Fernanda com ira na voz – uma calcinha minha sumiu e eu quero
conta dela – finalizou virando-se e indo para o quarto.
Viviane pensou que
aquele dia seria de grandes humilhações. A patroa sempre insinuava que ela havia
pegado esta ou aquela roupa íntima sua. Viviane sentiu vontade de chorar.
Lembrou-se de seus pais e de como eles a haviam ensinado a não pegar nada de
ninguém.
Depois de cerca de meia
hora o casal se sentava à mesa do café. Ele reclamava do preço da conta de
energia elétrica; ela lhe cobrava dinheiro para colocar luzes no cabelo.
- Você parece uma
modelo – reclamava com a cara fechada – desse jeito você vai ter que começar a
trabalhar para pagar seu cabeleireiro e sua manicure.
- De jeito nenhum meu
bem – redarguiu irônica – minha missão é cuidar de nossos filhos, aqui quem tem
que trabalhar é você.
Os dois ainda discutiram
algumas coisas sobre dinheiro, no que ele levantou-se e foi até a garagem ligar
seu carro. Fernanda deu graças a Deus de ter-se livrado do marido. Levantou-se
da mesa do café e foi até a sala ligar a televisão.
Depois que acabou de
assistir televisão, Fernanda foi até a cozinha conversar com Viviane. – Uma calcinha
minha sumiu, foi você que pegou? – indagou com desprezo na voz.
- Não senhora –
respondeu rápido Viviane – eu não pego nada de ninguém.
- Então como foi que
ela sumiu? Por acaso saiu andando? – tentava colocar-lhe na parede a mulher, cuja irritação crescia
visivelmente.
- Veja com a lavadeira –
sugeriu Viviane – ela é que lava as roupas, então ela é que deve saber.
- Já estou cansada das
coisas sumirem aqui em casa e você dar uma de anjinho – disse fixando-lhe o
olhar. Fernanda estava vestida com uma camisola transparente, que lhe realçava
os volumosos seios.
- O que a senhora quer
que eu faça? – perguntou em tom desafiador.
- Eu quero que você vá
embora desta casa – gritou a mulher – estou cansada de você e dos seus roubos.
Viviane começou a
chorar, mas a patroa era indiferente à sua dor.
- A senhora pode
acertar o que deve comigo? – perguntou a moça chorosa.
- Eu não te devo nada –
disse colérica – roubo é justa causa.
Viviane então pensou na
crueldade daquela mulher, que demonstrava não ter quaisquer sentimentos pelo
seu semelhante.
Ela pegou suas coisas e
passou indiferente pela patroa. Saiu da casa soluçando. Como aquela mulher
podia acusar-lhe de roubo, ela que nunca tinha pegado nada de ninguém?
Ficou no ponto de
ônibus esperando o coletivo. Estava destruída por dentro. E agora, como ela
faria para ajudar os pais? – interrogava a si mesma. Na sua casa estava
faltando comida e agora ela não tinha mais emprego. Pensava que poderia ter se
humilhado para a patroa, mas recordou-se que aquela mulher não merecia aquilo.
A doméstica observava o
movimento dos carros, as casas e os edifícios. Decidiu-se que voltaria a
estudar, pois só o estudo poderia dar-lhe uma vida melhor. Mesmo que para isso
ela tivesse que passar fome. Recordou-se que a escola oferecia lanche, aonde
poderia forrar o estômago. Mas e os pais? – se perguntava interiormente.
Naquele momento, a moça
pensava o quão dura era a vida dos trabalhadores brasileiros. Além de se ganhar
um salário de fome, milhares de pessoas ainda tinham que passar pelas mais
diversas humilhações de seus patrões Brasil afora. Isso era o ser humano –
pensava consigo mesma.
Copyright © by Paulo Henrique Vieira.
Todos os direitos reservados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário